Os contrastes santa-marienses
Santa Maria da Vitória, que completará 109 anos de emancipação político-administrativa em 26 de junho próximo, é uma aprazível cidade localizada na mesorregião do Extremo Oeste baiano, à margem esquerda do Rio Corrente, afluente do São Francisco que, nos seus primórdios, já foi chamada Porto das Lavadeiras.
No final do século XVIII, por volta de 1782, o fidalgo português e padre egresso da Igreja Católica, André Affonso de Oliveira, desbravador do sertão baiano e pai do fundador da cidade, Ten. Cel. Joaquim Affonso de Oliveira, aportou às margens do Rio Corrente. Porém, em virtude de surtos de impaludismo advindos de pântanos e lagoas situados entre o rio e o Morro do Menino Deus, mudou-se para os confins de suas terras, dando-lhe o nome de Espírito Santo, onde ergueu uma Capela. Por lá, faleceu e está sepultado.
Seu filho, o Ten. Cel. Joaquim Affonso de Oliveira, por desavença política com a Província, em virtude de não ter conseguido elevar à categoria de vila seu povoado, desgostoso, regressou para a sede da Fazenda Porto, propriedade familiar, às margens do Rio Corrente, e a renominou Porto de Santa Maria, que foi doada, para tornar-se futura sede da atual cidade.
Anos mais tarde, depois de ter ido a terras lusitanas, trouxe consigo uma imagem de Santa Virgem da Vitória, quando o lugarejo foi rebatizado Porto de Santa Maria da Vitória. Entretanto, em 26/6/1909, a então vila, foi elevada à categoria de cidade e passou a chamar-se tão somente Santa Maria.
Posteriormente, já no ano de 1943, por existirem outras cidades com a mesma denominação, cogitou-se renominá-la Correntânea ou Samaria. Seu povo, contudo, não aceitou as sugestões e acrescentou-lhe apenas “da Vitória” após o nome de Santa Maria, que permanece até nossos dias. Felizmente!
Em Santa Maria, como simplesmente a chamamos, há um riacho periódico que desemboca no Rio Corrente, na sua margem esquerda, dividindo a cidade em dois setores. O que fica à margem direita da nascente do riacho, batizaram-no Rua de Cima, ao passo que Rua de Baixo fica situada na margem oposta do riacho, à esquerda.
Até aí, tudo seria absolutamente coerente não fosse um belo capricho da natureza, ao dar para o relevo local, características, por certo, singulares. A Rua de Cima está na parte baixa e, na parte alta, fica a Rua de Baixo. É certo que os nomes foram dados tomando-se por referência o sentido do rio. No entanto, os menos atentos dificilmente percebem este detalhe.
E ainda por conta do sentido que corre nosso rio, o atual Tamarindeiro, o da Barca, é chamado pelos mais antigos, como meu pai, Tião Sapateiro (88 anos), de Tamarindeiro de Cima. E aí vem a inevitável pergunta: e havia outro tamarindeiro? Havia, sim, chamado Tamarindeiro de Baixo, que ficava no fundo da casa de Manuel Bodeiro, onde é atualmente o Jardim Fifa, em frente à Associarte Santa Maria, na Rua de Baixo. Ainda guardo lembrança dele.
A comungar com esta aparente incoerência histórica, existem outras que são hilariantes, principalmente, os apelidos que têm alguns dos seus distintos filhos, naturais ou adotivos. Por exemplo, a um legítimo representante da raça negra, deram-lhe o nome de Zé Leite, enquanto alguém de cútis branca (como registravam as antigas certidões de nascimento), chamam-no Pretinho. Um cidadão bem grisalho atende pelo generoso cognome de Nenezinho, quando, por outro lado, uma figura jovial admite que o chamem Veio. Da mesma forma, Menininha e Meninão, há muito tempo, deixaram de ser criança.
Ainda seguindo esta linha de contradições, Em Paz era a alcunha de um dos seus filhos adotivos que não costumava “levar desaforo para casa”. Já Guerra e Guerrinha, esses são da paz, nem de longe os apelidos e suas ações se conjugam. Eles são inimigos de confusão.
No ano de 1989, surgia para o Brasil, em Alagoas, um “fenômeno” na política nacional, o carioca Fernando Collor de Mello, autointitulado o “caçador de marajás”, que se tornou o 32º Presidente do Brasil, de 1990 até renunciar em 1992. Em nossa Cidade Riso, como também ficou conhecida Santa Maria, havia um marajá, caçado por Collor, que não negava o apelido nem a origem:
– Sou Zé Marajá e não tenho medo desse caçador meia-tigela.
Só que esse Zé, de saudosa memória, cuja esposa não é marani, nem ele, o marajá caçado pelo o ex-presidente. Trata-se, na verdade, do agropecuarista José Moreira da Silva, ex-barqueiro, ex-vereador da cidade, quando nem se recebia salário pelo cargo, por isso mesmo a concorrência era bem menor. Seu apelido adveio da Barca Marajá, de sua propriedade.
E Anjo? “Este não tem nada a ver com o ente celestial”, diriam muitos. Por esta razão, acrescentaram-lhe o adjetivo “Mau” e ele se tornou Anjo Mau.
Além dos aparentes contrastes, soma-se o fato de ser Santa Maria da Vitória uma cidade “internacionalizada”, dada a variedade de pessoas com nome de países, tais como: Argentina, Israel, Zaire, Quênia, Irã e Iraque.
Para completar este sui generis quadro de antíteses, o primeiro morador da Casa Paroquial, quando esta ainda estava em construção, na década de 1960 do século passado, foi o Velho Cão, um mendigo. Creiam-me!
Santa Maria da Vitória (BA), junho de 2018.
(Crônica extraída do livro “Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória, 2009, p.31”, revista e ampliada especialmente para o 109º Aniversário de Emancipação Político-Administrativa do Município de Santa Maria da Vitória, com algumas informações colhidas de Hermes Novais Neto, meu irmão, licenciado em História. Esta crônica, a original, também pode ser lida no Recanto das Letras – <https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2173639>. – onde há alguns comentários interessantes, inclusive de uma escritora gaúcha, Maria Della Giustina, que é da cidade de Santa Maria-RS).